A situação brasileira no momento em que escrevo este artigo traz alguns números que me levam a uma reflexão profunda sobre os rumos que deveríamos tomar a respeito dos destinos do nosso País. Entre 2011 e 2014, o crescimento médio do PIB brasileiro foi de 1,1% (é o que entrou na economia no período) e o crescimento dos gastos públicos no mesmo período da ordem de 3,6% (é o que vaza da economia). Em outras palavras, o Governo gastou mais do que arrecadou e, todos nós sabemos quando gastamos aquilo que não temos, cresce o endividamento e o serviço da dívida pode chegar a um limite insuportável para as futuras gerações. E o reflexo disso na vida de nós brasileiros? Esta situação poderia ter sido evitada?
Por que a grande responsável por esta situação toda foi reconduzida ao cargo e ainda permanece no poder?
O que teria acontecido com um Executivo que tivesse praticado estas mesmas ações e chegado a este mesmo resultado dentro de uma organização? Obviamente, estaria demitido!
Porque não conseguimos agir com rapidez para sanear situações como estas?
É a democracia! Seria uma resposta que eu poderia ter! Os fundamentos legais da forma como foram pensadas e constituídas em 1988 impedem que qualquer ação de mudança seja feita de forma arbitrária e precisa passar pelas diferentes fases do respeito à Constituição. Contudo, isso não impede que repensemos melhor o País que queremos!
Com este cenário, temos como já estamos sentindo na pele um 2015 dramático,piorado com o rebaixamento do grau de investimento do Brasil pelas agências de classificação de risco como Standard & Poors e, com segurança, poderemos ter um 2016 pior. Alguns economistas já falam de uma possível retomada de crescimento, com algum otimismo, somente a partir de meados de 2017.
Circulando pelas ruas próximas de onde se localiza meu escritório, vejo que várias atividades, muito provavelmente de pequenos empreendedores e de outros nem tão pequenos, foram encerradas e vários imóveis apresentam placas de ALUGA-SE. Circulando pelas outras cidades do Brasil, vejo o mesmo efeito. Obras que os governos estaduais, municipais estavam executando simplesmente paradas. Sem falar na paralisia dos projetos do PAC por absoluta falta de recursos e naquelas ligadas às fontes de energia (Petróleo, Gás e Nuclear) executadas pelas organizações envolvidas na Operação Lava Jato. É tudo muito melancólico e muito trágico.
Claro que o brasileiro com o desemprego em alta vai buscar alternativas, geralmente iniciando alguma atividade que o permita continuar sobrevivendo. É parte do espírito empreendedor do brasileiro. Sou brasileiro e não desisto nunca!
O que as organizações farão para enfrentar esta situação que se agrava cada vez mais? As notícias não são nada boas: queda das vendas no varejo; aumento da inadimplência; aumento na taxa de juros; etc. Invariavelmente, a maioria delas especialmente afetadas pela presente crise vai adotar medidas de ajuste para pelo menos sobreviver até o momento de retomada da economia.
E que medidas são essas? Normalmente, são sempre as mesmas numa velha história que se repete a cada momento de crise que atinge a empresa que, na maioria dos casos, não está preparada e adota os velhos e conhecidos métodos do corta, corta e corta. E o curioso é que todos sabem que novas crises acontecerão em um futuro próximo ou longínquo, com intensidades e complexidades diferentes, mas mesmo assim parece que não se consegue aprender com aquelas já vividas. Não estou me posicionando sobre o corte de custos, afinal, todos nós fazemos ajustes quando a situação aperta.
Nas crises, as lideranças, invariavelmente abandonam toda e qualquer forma de se preocupar com o desenvolvimento das pessoas.
O que estou falando é do corte dos custos nas questões essenciais especialmente ligadas à sobrevivência da própria organização e das pessoas que nelas trabalham.
Quais são os efeitos destas medidas corta-corta? Muito possivelmente o que iremos ver já é conhecido e se trata de um prolongamento da situação que hoje ocorre.
O crescimento do desemprego é diretamente proporcional à angústia das famílias que sofrem este efeito e mesmo nas pessoas que permanecem na organização, pois, estas não sabem do limite do corte a ser feito. O sentimento da perda do emprego destrói a confiança na organização e tira do colaborador a energia necessária para se dedicar a ela, agrava com isso os custos, gera retrabalho, faz com que ele evite o novo e permaneça na posição de fazer o tradicional e perguntar sempre o que se espera dele. Esta situação prejudica o ambiente externo com o incremento de crises sociais e de baixa produtividade dentro das organizações, basta olharmos para os índices de criminalidade praticados, provocando a insegurança dos cidadãos;
Obviamente que os executivos tentarão com a contenção de custos preservar o que chamam geralmente de meta (muitas vezes por um indicador de resultado a ser alcançado no ano) para manter a possibilidade de fazer distribuição de lucros, pois esta é uma das armadilhas instituídas. Cortam-se custos de operação e investimentos, mas, a distribuição de lucros deve ser mantida, o que afeta diretamente a saúde da organização no futuro porque não é um dinheiro novo, não é um dinheiro oriundo do incremento de resultados ou oriundos de vendas, mas, sim um dinheiro que deveria ser destinado para a manutenção da saúde organizacional. O que será necessário fazer para resgatar o tônus organizacional posteriormente? Quanto isto custará? E o dinheiro que eventualmente fora distribuído? Volta? É claro que não!
Numa retomada pós-crise, as pessoas que permaneceram na organização começarão a ser abordadas por outras empresas que querem repor seus quadros e talentos buscando quem está nesta condição no mercado. Começam as negociatas, barganha pela permanência em troca de maior remuneração num jogo claro que não tem mais a ver com uma identificação com a cultura da organização. Nessa altura, a identificação com a organização e seus valores já foi para o espaço e o que vale agora é o interesse pessoal;
A opressão por parte dos gestores em fazer o resultado acontecer será grande e o stress no ambiente do trabalho fará com que o clima organizacional se deteriore e todo o esforço de se posicionar entre as 150 melhores empresas para se trabalhar é jogado no lixo, o que vale é o salve-se quem puder!
Os subsistemas de Recursos Humanos começam a ser afetados e dificilmente são levados em consideração porque não fazem mais sentido durante uma crise. Por que vamos avaliar pessoas se não temos como recompensá-las por isso? Por que perder tempo com isso? Os gestores poderão, inclusive, fazer o trabalho de avaliação, mas a percepção predominante na empresa será o de exercício inútil;
As lideranças abandonam toda e qualquer forma de se preocupar com o desenvolvimento das pessoas e acaba se transformando num ambiente em que não se pode cobrar absolutamente nada do superior porque a crise não permite e, na maioria dos casos, as promessas ficam postergadas como uma possibilidade para se ver quando ela passar.
Enfim, o que pode ser feito para que a organização aprenda com a situação de crise e não mais repita o tradicional modelo praticado? Será que uma organização hierarquizada de comando e controle consegue alterar a sua forma de pensar e passar a definir uma nova linha de ação que independente da situação vigente, consiga manter os seus quadros, custos, investimentos e vantagens competitivas.
Aquelas organizações-referência do universo das melhores empresas para se trabalhar adotam algum comportamento diferente com o seu pessoal e buscam preservar recursos que possam ser utilizados nestes momentos de crise ou simplesmente adotam o mesmo padrão de decisão do corta, corta, corta? Bom momento para conferir como estas organizações cujos CEOs apregoam valores os praticam verdadeiramente na situação atual.
Existem organizações que passam pela crise e por contarem com um modelo de gestão diferente raramente sofrem os impactos como as organizações de comando e controle sofrem. Será que realmente existe empresa que pratica a sua cultura organizacional (história e biografia, visão, missão, valores, princípios, propósito, estratégia de negócios, etc)? É coerente e consistente com ela? Por que então vemos que nas crises o que menos importa é a cultura da organização? É só fachada?
São muitas as perguntas e acredito que precisamos dar respostas a algumas delas. Para isto, convido a todos os leitores a acompanhar a minha linha de raciocínio, analisá-la à luz da sua realidade e compartilhar suas percepções, ideias, objeções comigo após a leitura para que verdadeiramente possamos produzir as respostas. Num organismo vivo, as respostas se legitimam quando as pessoas participam da construção delas.
O que uma organização precisa aprender com a crise e não repetir mais os mesmos erros:
Sabemos todos que a cada crise os mesmos movimentos são feitos por aquelas organizações que não estão preparadas e, geralmente é a grande maioria delas, com raríssimas exceções. Por que? Há uma dificuldade inerente em empresas de comando e controle hierarquizado de pensar diferente frente a uma crise, porque nestas organizações, geralmente, a inovação e criatividade não passam de balela ou de alguns experimentos localizados. Esta prática não está no cerne da organização. Ela cumpre uma meta fixa que independente do cenário deverá ser alcançada. Porque o executivo responsável não poderá apresentar um relatório trimestral que dê indicações sobre suas dificuldades. Isto faz as ações despencarem e a cabeça do executivo ser cortada. Por isso mesmo adota-se o tradicional.
É possível aprender? Sim. É preciso muita disposição e ousadia porque é necessário aprender algo que os executivos da organização não sabem e, se sabem falta coragem e ou disposição para implantar.
Recentemente, o Presidente Mundial da Unilever, Paul Polman, reuniu os acionistas e propôs cortar dois relatórios e apresentar somente dois semestralmente. Apesar do barulho e das dificuldades ele conseguiu convencer os acionistas através de uma boa promessa de crescimento e retorno. E funcionou. O resultado do corte de dois relatórios trimestrais deram um tempo maior para que os executivos pudessem agir de forma a focar naquilo que é relevante como produzir melhores alternativas para os clientes antes da concorrência. Este foi um gesto ousado. Ele não pode ser ampliado?
Pode! Será que a organização precisa realmente de todos os níveis de decisão e controle que existem nela?
Elas de fato agregam o valor correspondente ao seu papel? Ou acabam produzindo muita fricção e perda de tempo? Já se fez um bocado de trabalho na redução de níveis hierárquicos desnecessários, mas, ainda estamos longe da eficácia. Quanto custo invisível não existe nos escaninhos da departamentalização. Será que as pessoas dentro de cada departamento consegue trabalhar como um verdadeiro time dentro da organização? É evidente que não! Experiências de trabalho em equipe são geralmente experiências pontuais de algum líder abnegado.
E o desperdício e retrabalho (um resultante do outro)? Quanto de retrabalho não é produzido simplesmente porque em um determinado nível algum detentor de poder e autoridade diz: – “Eu não gostei!”. Não que não gostar não faça parte! Mas, a essência do que se buscava estava lá? Se sim, vamos em frente e aprimoramos no próximo trabalho. Imaginem o quanto isto se repete dentro de uma grande corporação, especialmente aquelas com gestão matricial e vejam o quanto de retrabalho não é produzido, muitas vezes, porque simplesmente os processos não respondem aquilo para o qual foram implantados e ao invés de corrigir o processo contratamos pessoa que irão fazer planilhas excel para adequar o processo à necessidade. Alguém já assistiu a este filme? Lembra-se que o mocinho morre no fim? Se falarmos de um número de 10, 20 ou 30% de retrabalho dentro de uma organização não estamos falando de jogar fora um volume de recursos de 10, 20 ou 30% da mão de obra ocupada? Quanto é isso?
Por que então não nos dedicamos no momento de uma crise a aprender todos os pontos e preparar uma organização para responder positiva e prontamente a uma retomada do crescimento. A retomada de crescimento não necessariamente vai demandar mais gente e sim, mais competência instalada.
E como podemos fazer para que estas competências já existentes sejam praticadas na organização?
Ora mudando o modelo como as pessoas atuam. Quanto tempo se perde para encontrar quem é de fato o responsável para solucionar um problema que envolve um cliente? Dependendo do tamanho de uma organização pode levar um bocado de tempo e, principalmente se as pessoas não são, como ocorre, muitas vezes, conhecidas umas das outras.
O ponto mais crítico de mudança reside nas pessoas que chamadas lideranças. Primeiro, porque verdadeiramente não estamos falando de líderes e sim de diretores, gerentes, supervisores, pessoas apegadas a cargos, status e poder e com uma falta muito grande de bons líderes e profissionais talentosos. Aliás, os escândalos que são relatados no mundo todo envolvendo altos executivos nos levam a acreditar que algo precisa ser feito na preparação das lideranças do futuro, pois, muitos ainda continuam presos ao comando e controle e outros se agarram ao poder por meios opressivos e por vezes corruptos. Temos um legado de má liderança presente em nosso mundo.
Por isso mesmo é necessário desenvolver líderes que confiem na criatividade, na liberdade, na generosidade e na afetividade inatas das pessoas e saibam como cultivar estas qualidades. Precisamos de líderes que afirmem a VIDA ao invés de destruí-las (in Liderança para tempos de incerteza de Margaret Wheatley). É preciso acreditar e começar a desenvolver esta nova liderança e, este é o desafio permanente da nossa época.
Na outra ponta, deveremos trabalhar com uma rede de relacionamentos frente aos problemas que aparecem no cotidiano da organização. Vamos dar um exemplo: Por que não ter um grupo de experts para resolver todo e qualquer problema do cliente no momento em que ele bate na organização? Este grupo pode funcionar com profissionais de diferentes áreas (vendas, administração de vendas, frete, expedição, suprimentos, crédito, cobrança, planejamento produção, etc), empoderados e agindo como um time buscando uma melhor solução para o cliente. E, que ao longo do tempo, acabam crescendo como profissionais e melhor preparados para dar respostas a problemas de qualquer área, multiplicamos as competências e o conhecimento. Quanto tempo não se ganharia e quantas reuniões de executivos não seriam evitadas? Veja só o quanto de dinheiro invisível pode ser aproveitado ou recuperado.
Vamos agora ampliar este modelo para uma rede de diferentes células em outras frentes de trabalho compostas por diferentes profissionais de diferentes áreas e desafios comuns dentro de uma organização. O que ao fim e ao cabo acabam sendo desafios comuns de todos, pois, todos trabalham para a mesma causa. Que tal montar uma equipe que pratique, por exemplo a metodologia kanban Toyota reunindo planejamento de produção, expedição, almoxarifado, segurança, produção, manutenção, recursos humanos, etc. Invariavelmente em tempos de crise e, mesmo em condições normais de temperatura e pressão as pessoas, nem sempre são estimuladas ou estão empoderadas para decidirem no momento em que o problema ocorre. O que se vê é uma paralisação para resolver aquela situação, o problema sobe para outras esferas, ele é delegado para cima.
Depois os executivos não conseguem entender porque despendem tanto tempo discutindo assuntos operacionais. O fato é que o problema sobe, normalmente sofrendo distorções de entendimento, cada um contando a sua versão e, procurando não se responsabilizar pelo fato até que chega em quem decide! É uma loucura!
Por que isto é necessário? Simplesmente para justificar a existência de tantos gestores em diferentes níveis dentro da organização, caso contrário, não seriam necessários. Não encontro outra explicação. E não estamos falando aqui que somos contrários à existência da liderança, muito pelo contrário, somos contrários a colocar pessoas, nem sempre bem preparadas para, de fato, liderar times, são pessoas que sequer sabem como lidar umas com as outras, imagine inspirar pessoas. É aqui que o retrabalho acontece e o dinheiro sai pelo ralo. Liderança é atitude e não posição ou cargo!
Alguém já fez esta pergunta de quanto de retrabalho ocorre na sua organização e o quanto ele representa em termos de $$$?
Não seria interessante fazer e investir tempo e recurso nisso?
Sim, é a resposta, e geralmente existem iniciativas neste sentido, só que seguem o modelo tradicional de formar um grupo de talentos que irão cuidar do retrabalho e, que são afetados por melindres, falso senso de urgência, complacência, porque de fato, quem deveria estar envolvido, não está! E que é exatamente o pessoal da ponta… onde os problemas ocorrrem! Falta a confiança neste grupo (geralmente as lideranças pensam que eles não estão preparados), a liberdade de expressão, elas se sentem tolhidas a não dizer claramente e eticamente o que ocorre, enfim, tudo isso acaba alimentando o retrabalho ao invés de combate-lo.
Resumindo, creio que deveremos sempre contar com LÍDERES, e não simplesmente Diretores, Gerentes, Chefes de Departamento, de Divisão, Supervisores, Encarregados, não precisamos de cargo, porque afinal o cargo não faz nada, precisamos de LÍDERES INSPIRADORES que libertem as pessoas para que elas possam ser o que elas, de fato, são.
Confiar que quando contratou o fez com base na identidade recíproca com a cultura e valores da organização e dela. Precisamos de líderes que estimulem relações éticas e construtivas, que permita ao time experimentar ações inovadoras e criativas, aprendendo com os erros quando eles de fato ocorrerem e entender que erro faz parte da atividade do fazer! Líderes que estimulem e desenvolvam pessoas e sejam capaz de ajudar na construção de uma rede de células de profissionais altamente competentes e eficazes capazes de dar resposta aos desafios no momento em que eles surgem gerando um nível de encantamento dos clientes e melhores resultados que poderão beneficiar a eles próprios, aos acionistas, aos fornecedores e aos próprios executivos. Transformar a organização em uma equipe feliz e comprometida com a sua identidade, inspirar relações saudáveis, éticas, transparentes e verdadeiras é o trabalho que todo LÍDER deveria fazer e em alcançando isso, não tenha dúvidas que todos os (colaboradores, clientes, fornecedores, acionistas, sociedade, governo, etc) ganham.
Focando simplesmente nos números com certeza teremos como resultado picos e vales e todas as implicações no momento da ocorrência de cada um destes momentos.
Acreditamos que é o momento correto para repensar a sua organização e ela deve começar com o envolvimento de todos os para repensar uma organização que queira ser eficaz nos momentos de crescimento ou crise e preserve a sua identidade e valores e mantenha firme sua crença na vida e nas pessoas como premissa chave para sua perpetuidade.
Por Tatsumi Roberto Ebina, sócio fundador da Muttare Consultoria de Gestão